domingo, 28 de junho de 2009

Crónicas do Fim do Mundo - Livro I

Capítulo I - A partida

No bairro Ocidental da cidade de Alin, uma cidade a sul da grande floresta central, situada numa longa planície, viviam muitas pessoas estranhas… era um bairro de caminhantes, de aventureiros e era atravessado pela estrada que entrava na Grande floresta, alguns quilómetros a norte. Ora não é difícil imaginar que um bairro onde passam milhares de caminhantes por dia (ainda para mais, atravessado por uma estrada que conduzia a um sitio tão imenso como a Grande Floresta Central) fosse um sitio algo estranho. Homens solitários alugavam quartos sinistros em pensões decadentes, velhos feiticeiros carrancudos instalavam-se literalmente no meio da rua e jovens aventureiros regressavam da floresta desfeitos. Nunca faltavam homens nas tabernas, e estas mantinham-se abertas graças ás desgraças dos pobres caminhantes, como que velhos abutres a espera da batalha. Ora pelo contrário, o velho bairro Oriental, o qual era significativamente longe da estrada, era menos mal frequentado, mas não menos agitado. No bairro Ocidental instalavam-se os estranhos que estavam de passagem, e no Oriental os habitantes fixos da cidade.

Porem houve um dia que um estranho homem entrou no bairro Oriental. Era um acontecimento nunca visto um homem destes entrar naqueles lados. Tinha aquele aspecto que as pessoas adoram definir como “marginal” “sem abrigo” ou “criminoso”. Como devem imaginar, toda a população do venerável bairro que se considerava “admiravelmente respeitável” e “veneradamente bem educada” parou os seus afazeres para observar, de alto a baixo, a estranha personagem. Ora era um homem raro de aparecer, tanto ali como em todo o lado. Tinha uma barba branca acinzentada que lhe chegava aos joelhos e que ele prendia entre o cinto, que era de um cabedal castanho-escuro incrivelmente gasto. Esse cinto prendia também uma grande túnica azul-escura, túnica essa que era coberta com um manto azul-escuro, feito de uma espécie de seda que arrastava longamente pelo chão. As suas sobrancelhas eram brancas como a neve e os olhos verdes. O seu rosto era enrugado e preocupado. Tinha cabelos cinzentos que lhe chegavam as costas, mas que eram consideravelmente mais pequenos que a invulgar barba, e por cima desses cabelos erguia-se um altivo chapéu bicudo, sem aba, e que, adivinhem só, era azul-escuro… as suas botas não se viam pois eram tapadas pela longa túnica, e mesmo a andar, os pés nunca saiam de fora dela. Apoiava o peso do seu corpo (que devia ser pouco pois apesar de ter a altura de um homem normal, e de as suas vestes não deixarem ver a sua massa corporal, era obvio que andava demasiadamente apressado para homem gordo) num bordão de madeira que ultrapassava a sua cabeça em quatro ou cinco centímetros. Este não era totalmente direito e era feito se uma madeira clara, a qual tinha aspecto de ser magica pois era um castanho cor de leite com café, e nenhuma arvore tinha uma madeira deste tipo em todas as terras do Norte. Este bordão terminava na forma de uma ave de bico virado para baixo, como fazem os flamingos, mas o bico era totalmente cilíndrico e devia ter talvez um centímetro de diâmetro. A cabeça da ave tinha duas tiras de madeira rectangulares, com cerca de vinte centímetros de altura, com alguns milímetros de diâmetro, mas extremamente resistente, que subia e dava uma volta. Entre as duas encaixava um cristal redondo. Era um cristal transparente, com algumas partes esbranquiçadas.

Ora esta estranha personagem andou apressadamente pela rua principal, olhando para todos os lados procurando algo ou alguém (sempre sobre o olhar atento dos populares). Chegou a uma rua estreita e por ai se meteu. Essa rua tinha pouca luz mas dava para ver bem as portas. As casas, como em toda a cidade eram de pedra branca, mas as portas eram de uma madeira exótica. Ao chegar a porta número dezassete parou, olhou atentamente para a varanda em cima, durante alguns segundos, e por fim bateu na porta com a sua mão áspera. Esta demorou intermináveis segundos a produzir algum som. De repente, do interior da casa, ouviu-se um som. Eram sons de passos. De repente a porta rangeu e abriu-se lentamente. Apareceu uma cara assustada por entre a porta, as assim que esta reconheceu os estranho homem (pelos vistos, não era o seu primeiro encontro) o medo desapareceu do seu olhar e abriu a porta por completo. Era uma figurinha baixa, talvez de um metro e vinte, barba pela cintura e cabelo igualmente pela cintura com vestes multi-colores, todas elas, cores muito vivas e um cinto com a fivela de prata (cinto esse que segurava um punhal com a pega de ouro). A barba e o cabelos eram brancos como a qual, ao contrario do seu rosto que era queimado e enrugado. Os seus olhos eram um laranja acastanhado… não era cor de mel, era mais escuro. As suas sobrancelhas, ao contrário do cabelo, eram ruivas e estranhamente peludas. As suas mãos eram pequenas, e os pés (encontrava-se descalço pois estava em sua casa) eram grandes e enrugados.

Ora tudo isto faz qualquer um deduzir que esta criatura seria um anão. E era isso que ele era.
-Morit, meu amigo! Há muito aguardo por si! Então por onde tem andado, seu velho mocho? Praticando mais um dos seus grandes feitiços? Ah sua raposa matreira, nem sabe as tormentas que tenho passado nesta maldita cidade de homens! – disse o nosso anão com olhar extremamente alegre.
Ora como resposta, Morit disse a Rarum:
-É bom que me respeite Rarum! Pois eu sou um Mago, não um mago qualquer, mas sim Morit, o caminhante!
Seguiu-se o silêncio, com os dois fintando-se atentamente. Depois, não aguentando mais a pressão (pois o olhar de um mago e bastante cansativo), quebrou o silêncio e disse:
-Ora deixe-se de patetices e entre de uma vez! O pão já e de anteontem e quanto mais demorarmos mais ele endurece!
Morit começou a rir-se e, ao mesmo tempo que passava pela porta de entrada disse:
-Pois bem, você nunca me ganhará, o meu olhar de mago não deixa ficar calado. Ah ah ah!
-Um dia eu ganharei Morit, escreva o que eu lhe digo!
E com estas palavras Rarum fechou a porta olhando atentamente, para ter a certeza de que ninguém havia seguido o feiticeiro até ali.

A casa do anão era realmente bonita, apesar de bastante pequena pois aquela rua era demasiado estreita para albergar mansões. Toda a casa era como que “forrada” com madeira, inclusive o tecto. Era baixa, mas alta o suficiente para albergar um homem, mesmo que alto. Passando por um estreito e baixo corredor, com uma longa alcatifa foram dar a uma sala com três confortáveis cadeirões, outra grande alcatifa, uma mesa de madeira, baixinha, com centenas de mapas, livros, papeis soltos… enfim uma grande confusão típica de um anão (ainda para mais, um anão amigo de caminhantes, e para aumentar mais o vosso conhecimento sobre Rarum digo-vos que ele próprio era um caminhante!). Tinha também uma grande lareira (que se encontrava com uma grande chama acesa no seu interior) e por cima estava um mapa das terras do norte, desenhado por ele próprio e orgulhosamente emoldurado. Ora nas terras do norte as temperaturas de verão está entre os 30º graus no norte e os 40º no sul. Mas as de Inverno encontram-se entre os 25º graus no sul e os -10º no norte! Ora nesse dia de Inverno estavam 20º graus em Alin. Por isso Morit, como se fosse o dono da casa, arrastou a mesa para o canto da pequena sala, também esta forrada de madeira, colocou um dos grandes cadeirões em frente da lareira, sentou-se confortavelmente, encostou o bordão ao ombro e ergueu as mãos de palmas viradas para o fogo. Rarum fez o mesmo.

Depois de um ou dois segundos calados Morit quebrou o silêncio:
-Bom então está pronto?
-Estou sim Morit… estou farto de estar nesta cidade de homens presunçosos. E no outro bairro é só má gente! Maldita a hora em que me mandaram para aqui. Bom o que interessa é que era suposto eu ter vindo apenas entregar uma carta do meu venerável rei Loirin, o loiro, ao rei dos homens do sul, Sarat, e já cá estou á quase dois anos! Bom eu vou buscar a carroça a casa do guarda Lorent, o único amigo que fiz nesta maldita cidade, trago-a até a entrada da rua e depois carrego com as coisas. Lembre-me de deixar a chave por cima da porta, para a senhoria a levar.
- Rarum, meu amigo, não seria melhor acalmar-se, comer qualquer coisa e beber um chá quente? É melhor acalmar-se, com tanto nervosismo não chegará as montanhas vermelhas sem alguns acontecimentos indesejáveis pelo meio.
-Bom… talvez tenha razão meu sábio amigo. Tenho saudades das montanhas. Como vão as coisas por lá?
-Sinceramente, meu amigo, vão mal. Os seus compatriotas anões por cinco vezes, este ano, tiveram de se refugiar nos subterrâneos Vermgus. Mas as suas cidades continuam, seguras por enquanto.
Ora Rarum pôs uma chaleira por cima da lareira e colocou lá as ervinhas da tília. Depois cortou duas fatias de pão, fininhas e barrou-as com bastante mel. Colocou cada uma no seu prato, entregou um a Morit e colocou o outro no colo, depois de se ter sentado novamente. Deu uma pequena dentada no pão e disse:
-Bom mas é lá que eu pertenço! Á minha querida terra. E se está em guerra eu combato. Antes de vir para esta maldita terra combati durante largos anos os Orcos de Itridin.
-Eu sei isso. Só estava a tentar avisá-lo de que os tempo por lá estão difíceis… as Ilhas Negras estão a ganhar terreno no reinos dos anões e na parte ocidental da floresta central. Apesar de esta parecer um sitio estranho devido as pessoas que de lá vêem parecerem sombrias isso não é assim: a grande floresta central só é estranha e perigosa num raio de cerca de 200 km a partir da ponte negra. De resto é o sítio mais seguro, neste momento, das terras do norte. Você devia ir para lá, olhe que as hostes de Itridin estão verdadeiramente evoluídas.
-Eu não tenho medo desse negro Feiticeiro, nem do seu negro bordão e muito menos dos seus negros emissários! Se ao menos as terras do sul não fossem inabitáveis (a não ser por homens primitivos, muito pouco evoluídos), e as terras tropicais não fossem atormentadas pelos furacões do verão eu iria para algum desses sítios… mas as terras do norte são as únicas habitáveis, neste milénio! Os tempos antigos passaram, e as terras longínquas do outro lado do mundo estão igualmente perdidas. Por isso eu digo que, contra os exércitos de das ilhas negras, estou tão seguro nas montanhas vermelhas como em qualquer parte da floresta central.
Nesse momento a água do chá começou a ferver e o som da chaleira a expelir vapor ecoou pela pequena sala e o anão correu para a lareira. Serviu duas chávenas de chá, entregou uma a Morit, e sentou-se com a outra na mão. Entretanto o pão com mel já tinha desaparecido e o prato já estava no chão.
Depois disse:
-Estou farto de pão, mel, chá de tília e tudo o mais que as pessoas desta estúpida cidade consideram “adorável” e “delicioso”. Um bom copo de vinho tinto das vinhas do norte, servido com um enorme prato de fatias de presunto, um bom queijo das montanhas e como sobremesa as mais diferente iguarias que os nossos admiráveis amigos Elfos nos fornecem são os melhores alimentos que alguém pode ingerir em todo o mundo! - parou durante uns segundos, enquanto dava um golo no chá quente, e prosseguiu - Maldita cidade “civilizada”! Irei para o norte sim, para defender o reino dos anões do poder de Itridin.
-Você decide, Rarum. Eu não o impeço de nada.
A partir daí, a conversa desviou-se para outros temas. Passaram-se uns minutos, e depois de o chá e o pão estarem acabados, os dois foram em direcção á porta, para ir buscar a carroça a casa do guarda Lorent. Atravessaram a cidade. Estava um tempo bom. O sol não queimava pois uma brisa fria cortava o ar e atenuava o calor do astro. Entraram por uma grande avenida e foram a direito ate aos portões da cidade, no lado Ocidental. Aí subiram a muralha, que não era muito alta e que contrastava com a cidade branca, pois era feita de uma madeira cor de mel, por umas escadas um pouco acidentadas. Rarum ia a frente, andando rápido, com sua barba grande a afastar-se da cara devido ao vento e com o mago Morit logo atrás. Chegou ao pé de um homem alto, que estava de costas, com cabelo loiro comprido, esticou-se o máximo que podia e deu-lhe uma pancadinha no ombro. O homem virou-se, olhando em frente, vendo o mago. Mas só depois olhou para baixo e viu o anão olhando-o com um pequeno sorriso na cara. O homem era de seus trinta e tal anos e tinha também uma pequena barba loira. Cabelo e barba, e preciso fazer notar, eram de um loiro torrado e não élfico. Tinha roupas de lã e uma cota de malha antiga por baixo delas, que se acusava na zona entre o peito e o pescoço onde a gola da camisola não chegava. Tinha uma espada a cintura, com um punho coberto de cota de malha. Segurava o capacete debaixo do braço e o capuz de cota de malha encontrava-se torto, apoiado nos ombros. Assim que viu Rarum disse, com um ar preocupado:
-Oh Rarum, meu amigo! Peço desculpa mas a minha altura não me permitiu notar a sua presença de imediato. Sempre vai?
-Vou sim, Lorent, a guerra chama-me, e o meu povo precisa de mim… está tudo pronto?
-Está sim meu amigo, a carroça está arranjada e o cavalo pronto para a puxar. Eu vou lá busca-la.
-Eu e Morit vamos consigo. Oh mas que indelicadeza! Esqueci-me completamente de lhe apresentar o meu amigo e companheiro, o mago Morit. Lorent este é Morit, Morit este e Lorent.
Os dois curvaram ligeiramente a cabeça um ao outro e depois Lorent disse:
-Bom então venham. Faz-se tarde e ir a caminho da floresta Central á noite é cansativo.
Ora Lorent encaminhou-os pela cidade fora, e entrou pela rua trinta e quatro do bairro Ocidental. Se havia uma rua menos mal frequentada naquele bairro era aquela! Depois de percorrer uns 10 metros da rua, que era larga e tinha casas, ao contrário do bairro Oriental, de uma pedra amarelo torrado e com varandas de madeira escura e grandes arcos em forma de ferradura, com grandes portas de madeira, e parou na porta correspondente a letra E. Abriu a porta, que era pesada e, tal como as outras, em arco de ferradura, com uma chave grande e dourada, e entrou na casa. Não se pode dizer que fosse uma casa rica. Pelo contrario. Apesar de maior que a confortável casa do anão, esta tinha fendas nas paredes, que não eram cobertas de madeira. Tinha um corredor central com varias portas, que davam para as diferentes divisões. Depois tinha uma escada que dava para o sótão, que por sua vez tinha uma bonita varanda de madeira castanha, e era coberto por pequenas telhas. Ao fundo do corredor encontrava-se mais um dos muitos arcos de ferradura, que eram usados em todo o bairro, devido a superstição em relação aos viajantes. Ora passo a explicar: No reino dos homens havia um herói Homem-elfo, que defendia todos os homens que viajavam pelas terras a cavalo. O símbolo deste deus era a ferradura e inclusive, há um enorme templo no centro da cidade que em sua homenagem. Ora não é de estranhar que um bairro pobre, de viajantes, que não tem dinheiro para as casas de pedra branca do bairro oriental, construa as entradas das portas em forma de ferradura, para afastar os maus acontecimentos dos viajantes.

Transpuseram essa porta e entraram num grande quintal, com um chão de grandes lajes e algumas laranjeiras. Num dos cantos estava um cavalo castanho com um ar muito saudável e um pêlo que mais parecia seda. Já ligada a esse cavalo, estava uma carroça, com duas rodas, as de trás grandes e as da frente um pouco mais pequenas. Tinha uma espécie de “tenda” atrás, que formava um pequeno túnel coberto de tecido cinzento. Tinha uma tábua, na parte da frente, para servir de acento e outra, mais em baixo, para apoiar os pés. Tinha também duas pequenas lanternas, com velas novas no se interior, penduradas em ganchos, um em cada extremidade da carroça. Era uma carroça de tamanho normal, e tinha espaço suficiente para as coisas de Rarum.
-Ora aqui está o seu cavalo e a sua carroça. O meu pai, exímio artesão, talvez o melhor em madeira de toda a cidade, reforçou a carroça e ela está capaz de percorrer o deserto sem se enterrar na areia. Entretanto escovou o cavalo e alimentou-o bem. Está pronta para partir. – disse Lorent, com ar triste mas apressado.
-Muito obrigado por me ter guardado a carroça e o cavalo estes anos todos, como já lhe expliquei não tenho quintal e seria difícil deixa-los a porta, dado o risco de serem roubados. Obrigado também por os ter tratado tão bem, vejo que o cavalo está bem alimentado. Bom vou andando, ainda tenho de ir carregar as coisas. Até a próxima meu amigo!
-Até a próxima, velho bandido – respondeu Lorent.
Depois disto, Morit, que tinha estado calado este tempo todo, fez uma ligeira vénia ao guarda, sentou no banco da carroça, junto a Rarum, e saiu pelo protão do quintal que era alto e de madeira velha. Seguiram pelas ruas da cidade e atravessaram todo o bairro Ocidental até chegaram ao oposto. A diferença era ofuscante: para trás, uma aglomeração de casas, todas elas de um amarelo-torrado, e num milésimo de segundo, só casas de pedra branca acinzentada e bastante antiga mas imponente. Entraram pela rua estreita de Rarum, com esforço para não roçar nas paredes e pararam o cavalo em frente da porta do anão. Ai Rarum abriu a porta e começou, em varias idas e voltas, a carregar a carroça: coisas de valor que lhe pertenciam, duas garrafinhas de vinho, muita agua, muito pão e muitas carnes salgadas, ervinhas para o chá, alguns temperos, mantas, um pequeno cajado de madeira tosca, dois frascos de compota, uma cana de pesca, tachos, panelas e tachos, a moldura com o seu mapa orgulhosamente exposto e muitas outras coisas necessárias para uma grande viagem. Depois selou a pequena tábua, da parte de trás da carroça que impedia que as coisas caíssem pela traseira, e sentou-se de novo no banco (banco esse, esqueci-me de referir, era almofadado e muito confortável) e disse para Morit:
-Bem a caminho! Saia pela extremidade oposta com cuidado, que desemboca numa avenida muito frequentada por guardas e não me apetece ser questionado.
E foi assim que Morit fez. Conduziu a carroça com cuidado, ao longo da estreita rua e entrou na avenida, vendo se não haviam guardas nas redondezas. E assim seguiu. Mais uma vez atravessaram a cidade e saíram pelo enorme portão, em direcção a floresta.
Rarum suspirou.

O caminho a frente era estranho e até assustador. A estrada percorria umas enorme planície de tons cinzentos, apenas com ervas rasteiras, e era extremamente estranho pois não viam nenhum dos imensos caminhantes que afluíam todos os dias a cidade. Talvez da distância pois tinham cerca de duzentos quilómetros pela frente e isso e muito espaço para caminhantes… podiam estar dispersos. Mas Rarum não quis saber. Apenas se preocupava em ir rapidamente para as suas terras. Lá muito ao longe, quase invisível aos seus olhos encontrava-se a grande floresta central, que ele tinha que atravessar para chegar a sua cidade. Duzentos quilómetros faltavam ainda para chegar a floresta, e mais de mil tinha de atravessar dentro dela, e depois dela mais setecentos para chegar a sua cidade, no vale de Ortich. Mas isso não o assustava! Sabia que ainda tinha de ir as montanhas e cidades dos elfos pois Morit tinha que lá tratar de assuntos. A floresta é um sítio lindo, mas escuro e talvez perigoso, para quem sai da estrada. Mas tinham também a protecção dos elfos nas suas casas nas árvores e isso agradava Rarum, pois anões e elfos são grandes amigos. A carroça seguiu pelas planícies frias. Lá atrás a cidade tornava-se mais pequena e as terras quentes do sul, distantes, encontravam-se agora fora do alcance visual.

Eram quase seis da tarde quando passou pelo corpo de Rarum uma vontade imensa de dormir. Achou estranho aquele súbito cansaço, pois não tinha acordado muito cedo e tinha-se alimentado bem. De qualquer maneira dobrou-se para trás, esticou-se o mais que pode e retirou um grande pedaço de pão que comeu devagar. Morit soltava breves e leves sorrisos, o que deixou Rarum num tal estado de agitação que mordeu a própria língua umas duas ou três vezes enquanto mastigava o pão. Mas a enorme sonolência que o invadia não lhe permitia sequer perguntar a Morit o que se passava. Aliás ele sabia o que se passava. Já tinha atravessado aquele lugar antes. Mas desta vez esqueceram-se de o avisar e o pobre anão esquecera-se completamente que tinha de atravessar o Pântano dos sonhos. Ora o Pântano dos Sonhos é uma enorme concentração de pó dos sonhos, pó esse usado por soldados, feiticeiros e até assassinos para pôr alguém a dormir. Este enorme pântano estende-se por oitenta quilómetros e só mascando folhas de hortelã se pode resistir ao seu curioso poder.

Mas enfim, Rarum não teve coragem para se dirigir a Morit que nessa altura já se ria à gargalhada com o aspecto sonolento e cómico do seu alegre companheiro. Deixou de resistir, arrastou-se até à parte de trás da carroça e deitou-se numa abertura que se encontrava entre as malas e os sacos.